segunda-feira, 25 de abril de 2011

Brownie de Microondas na Páscoa

Eu quero! Eu quero, eu quero! – Batia os pés no chão mantendo os punhos bem cerrados enquanto sustentava seu desejo, sem gritar, porque a mãe havia lhe ensinado que deveria manter o tom de voz para não perder a razão. Não sabia ao certo o que era razão, mas isso não importava, naquele momento o importante era conseguir alcançar seu objetivo.

Desafiava a mãe aquele projeto de pessoa! A pequena Maria Clara sempre fora assim, determinada, decidida, enfática. Tinha a habilidade de impor sua vontade. Aos cinco anos sabia bem o que queria, e, naquele momento, o objeto do seu desejo era muito simples: um ovo de páscoa diferente!

Sua mãe, Cecília, jovem e perdida na ciência da maternidade, entendia que lhe cabia descobrir exatamente o que era ‘diferente naquele caso.

Como não bastassem as adversidades que a vida lhe trouxera, enviara de brinde uma menina assim: queria ser diferente em tudo! Nada do comum lhe agradava. Era uma dificuldade encontrar roupas, sapatos, penteados, comida, coisas que lhe satisfizessem. Porque a filha não podia ser como as outras crianças, que aceitavam tudo, para as quais qualquer coisa estava bom?!

Tomada por esses pensamentos, em um total estado de letargia, agarrou o primeiro vestido que lhe veio a mão, escorregou-o pelo corpo suado, prendeu os cabelos num coque mal feito e foi verificar a menina. Esta, sentada à mesa da cozinha, vestida com o uniforme impecável, os cabelos muito bem penteados, e a mochila nas costas, levantou-se de súbito ao ver a figura da mãe parada à porta como se fosse uma qualquer. Não lhe agradava ver a mãe assim. Era uma mulher bonita, distinta, cheia de graça e alegria, mas nos últimos tempos parecia mais velha do que sua avó, estava sempre cansada e muito mal vestida. O que estaria acontecendo com a mãe? Ela pensava e pensava, mas nos seus cinco anos bem vividos, não encontrava resposta para perturbadora pergunta.

Saíram de casa. Andavam de mãos dadas pelas ruas da cidade, sem dizer palavra. A mãe perdida em seus pensamentos e a filha em suas considerações, procurando uma forma de fazer a mãe voltar à vida. Pararam de frente ao Liceu, a menina olhava para cima enquanto o rosto cansado e triste da mãe descia ao encontro do seu. Beijou-a na face com carinho e disse: mamãe, eu te amo! A mãe abriu-lhe um sorriso entristecido e replicou: também te amo Coelhinha! Virou-se de costas e seguiu caminho para a clínica.

Durante toda a caminhada a cabeça estava livre de pensamentos. Ou tomada por tantos que não conseguia organizar e entender um sequer. Achou melhor continuar caminhando sem dar atenção a nenhum deles. Entrou no consultório, falou com a secretária, sentou-se e passou a folhear, desinteressadamente, uma revista que estava sobre a mesa de centro: anúncios de lojas, propaganda de cosméticos, belíssimas modelos vestindo roupas da moda e uma receita fácil de brownie de chocolate. Uma receita FÁCIL de brownie de chocolate?! Pediu um papel à secretária e começou a anotar a receita:

Brownie no microondas
200g e mais um pouco de manteiga com sal (1 tablete e mais um pouco)
Levar a manteiga ao micro para derreter - dica derreter no pirex que será usado para assar o doce, assim já estará untado quando for ao forno.

Despeje a manteiga derretida numa bacia e acrescente:
1 xícara de chocolate em pó
2 xícaras de açúcar
4 ovos inteiros
1 1/2 xícara de farinha de trigo
Misturar bem e levar ao microondas em pirex untado na potência FORTE (alta) durante 10 minutos (se o forno for MUITO potente, comece a verificar se ficou pronto aos 8 minutos).
Se desejar pode acrescentar nozes picadas. No forno convencional leva + ou - 45 min em forno pré-aquecido.  Servir com sorvete de creme.
Que forno convencional que nada! Um bolo que leva 10 minutos para ficar pronto?! Era a solução para o seu problema atual: Esse podia ser um ovo de páscoa diferente, pensou chegando a esboçar um sorriso. Enquanto a secretária a chamava informando que era sua vez de entrar.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Berinjelas à Parmiggiana e Risoto ao Limão sem sair de casa

Acordou às com uma saudade intensa de Florença. Aqueles campos floridos, as ruas estreitas da cidade, aquelas casinhas lindas e o gelato! O melhor sorvete do mundo. Pode visualizar-se claramente andando pelas ruas de Milão, percorrendo os pontos turísticos de Roma, voltando às origens no sul da Itália. Mentalmente via-se dirigindo pelos campos da Toscana! Agora era assim: sentia saudades de lugares por onde nunca havia passado. Pelo menos não nessa vida, pensava. Será possível que já estivesse andado por lá em alguma outra vida? Não sabia, não estava certa ao menos de que havia outra vida.

Espreguiçou-se, levantou-se vagarosamente, fez uns exercícios de alongamento e pegou um livro de receitas italianas que ganhara do marido. Folheava bem devagar, prestando a máxima atenção às receitas e às fotos dos pratos - cada uma mais linda que a outra - tentando imaginar qual o prato certo para lhe levar de volta àquele lugar de beleza tão ímpar. 

Viu receitas de antepastos, sopas, saladas, massas diversas, polenta... Ufa, quanta diversidade há na culinária italiana! Estava quase desistindo quando se deparou com aquele que aguçou seu paladar: Risoto ao limão. Pode sentir na boca o sabor de limão e aquela sensação causada pela acidez da fruta. Um tanto quanto diferente aquela receita, pensou.

Mais à frente encontrou uma receita que levaria 2 berinjelas cortadas em rodelas, 4 tomates também em rodelas, 100g de molho de tomate, folhas de manjericão picadas, sal, 200g de queijo mozzarella em fatias e 50g de queijo parmesão ralado.

A receita dizia: salpique as berinjelas com sal e deixe repousar em um escorredor por aproximadamente 30 minutos, para eliminar o líquido amargo. Lave as fatias e seque-as com papel-toalha. Doure-as em uma frigideira antiaderente sem óleo até que estejam bem tostadas por fora e macias por dentro. Faça camadas alternando fatias de berinjela, fatias de tomate, 1 colherada de molho de tomate, algumas folhas de manjericão picadas, fatias de mozzarella e parmesão ralado. Leve para assar em forno pré aquecido em 160º por 10 minutos. Decore com manjericão e sirva em seguida.

Estava decidido: Berinjela à parmiggiana como entrada. Risotto ao limão para prato principal e um bom vinho branco riesling para acompanhar!

Para o risoto levou uma panela ao fogo com uma colher de sopa de azeite e refogou 250g de arroz carnaroli até ficar levemente dourado. Acrescentou então 1 cebola picada e salteou por mais 2 minutos. Abaixou o fogo e juntou 50 ml de vinho branco seco em temperatura ambiente até o álcool evaporar e então começou a acrescentar, aos poucos, 500 ml de caldo de legumes, mexendo sempre. Cozinhou por mais ou menos 15 minutos, até ficar ‘al dente’. Nesse ponto acertou o sal e a pimenta. Retirou a panela do fogo, adicionou 1 colher de sopa de manteiga misturando bem. Em seguida, juntou o suco de 1 limão e 4 gemas, mexendo vigorosamente, para formar um creme denso. Polvilhou queijo parmesão que ralou na hora e serviu.

Ao preparar a refeição, colocou um CD de músicas italianas que uma amiga lhe emprestar.

Ao degustar aquele cardápio originalmente italiano, pode sentir um sabor conhecido, não aflorado, mas que restava guardado em algum lugar de sua memória. Apesar de não ter saído de casa, foi uma viagem deliciosa. Resolveu que essa seria uma forma de viajar sempre que sentisse vontade, mesmo que a sensação não fosse a mesma de estar presente no lugar, levava-a de corpo e alma ao local imaginado.

domingo, 10 de abril de 2011

Antepasto de Pimentões Vermelhos regados à adolescência

Tinha mais ou menos uns 14 anos quando a mãe a chamou para ir a uma reunião na casa de uma amiga. Era uma reunião das coroas, não ia ter nada que lhe interessasse. Mas resolveu ir, não tinha nada a fazer e gostava muito da Vera, a amiga da mãe.

Lá chegando constatou - como havia imaginado - que nada haveria de bom para ela naquela noite. E logo começaram aquelas conversas que sempre temos que enfrentar quando as amigas das nossas mães se encontram:
- 'Nossa, essa já é a Joana? Como está crescida!' - dizia uma.
- 'Joana, que linda. Uma moça feita né?' - dizia outra.
E lá vinha mais uma: ‘Gente, o tempo passa muito rápido mesmo, foi outro dia que te segurei no colo!’ - A pobre Joana sorria para uma e outra, desconcertada e desejando que aquele momento de tortura chegasse ao fim e as ‘coroas’ mergulhassem em algum papo da juventude e a deixassem em paz.

Perdida em meio aquelas considerações, mergulhou de cabeça na única coisa que poderia fazer: comer! E deu a experimentar tudo o que havia nas mesas. Uma fatia de bolo ali, um pãozinho aqui, um pouquinho desse caldo, uma torta salgada, outra doce... E divertia-se entretida naquele mundo tão delicioso. Lá pelas tantas se deparou com uma compota salgada de uma coisa vermelha, algo parecido com tomate em fatias, mas com um sabor diferente. Colocou um pouco sobre uma fatia de pão e degustou. Nossa, que coisa boa! Sentou-se ao lado daquela mesinha de canto e, sozinha, entregou-se ao prazer da degustação daquela delícia gastronômica esquecendo-se de tudo o mais.

A mãe, que passara a festa toda acenando e sorrindo de longe enquanto colocava a conversa em dia, enfim a encontrou e perguntou: tudo bem?
- tudo.
- Já quer ir embora?
- Pode ser.
- Então vamos ficar mais um pouquinho?
- Pode ser. Mãe?
- Oi.
- Já que vamos ficar mais um pouquinho, você poderia perguntar à Vera como ela faz isso? É bom demais! Acho que é com tomate. Sei que tem cebola, alho, orégano, azeite...
- Combinado.- disse a mãe servindo-se de um pouco da compota que visivelmente aprovou e voltando-se à companhia das amigas.

Um pouco mais tarde a mãe lhe chamou para ir embora, e, ainda à porta, Joana não se conteve e perguntou:
- Você perguntou pra ela?
- O que filha?
- A receita...
- Ah, Vera, a Joana quer saber como você faz aquela compota de tomate.
A menina quase morreu de vergonha. Precisava perguntar assim, na cara dela?! Deu um sorriso amarelo e desviou o olhar.
Então a Vera disse: Gostou foi Joana? Não é tomate não, é antepasto de pimentão vermelho. Presta atenção, é super fácil: Depois de lavado, coloque um pimentão vermelho inteiro no forno para assar até que a casca desprenda. Aproximadamente 20 a 30 minutos, na temperatura baixa. Depois retire a casca, corte em fatias finas e coloque numa vasilha. Adicione uma cebola pequena cortada em tiras, 2 a 3 dentes de alho laminados, azeite o suficiente para deixar a mistura úmida e sobrar um pouco e especiarias. Nesse usei orégano e manjericão, mas você pode usar o que quiser.
- Obrigada Tia Vera!
- De nada minha flor!
Beijaram-se cordialmente despedindo-se.

Passaram-se os anos e Joana nunca fez a receita, como também nunca a esqueceu. Agora, mulher casada, chegou em casa um dia após o trabalho e resolveu testar. Quando estava quase acabando, viu que não tinha alho. Ligou para o marido, que ainda não havia voltado do trabalho e lhe pediu para comprar uma cabeça de alho. Deixou a mistura pronta, e por não ter orégano usou as ervas que cultivava na mini horta da varanda do apartamento: endro, manjericão e alecrim frescos e um pouco de tomilho. Quando o marido chegou, laminou os dentes de alho e acrescentou. Serviu uma porção numa fatia de pão e ofereceu ao marido que dispensou vários elogios em aprovação.

Depois, sentou-se calmamente no sofá com sua fatia de pão recheada da compota e degustou-a lentamente como fez anos atrás. A mesma textura de que se lembrava, a mistura homogênea de temperos. Aquele sabor que ficara gravado em sua memória, lá estava em suas mãos. Por alguns instantes foi levada de volta ao apartamento da tia Vera tomada por um prazer agradável. E foi naquele momento que decidiu não mais se eximir de praticar aquela receita várias e várias vezes para imergir-se em momentos tão deliciosos.

Obs.: Essa estória é baseada em fatos reais. :)

domingo, 3 de abril de 2011

Picanha Fácil

Há dias o Márvio vinha com essa história de que queria comer carne. Nem os rodízios de pizza, tão amados, ou melhor, programas favoritos dele não tiravam essa idéia de comer carne da cabeça dele. Estava com uma vontade daquelas que vem de dentro da alma. Carne! Macia, tenra, saborosa e vermelha carne.
Entrei no mercado para comprar frutas e me deparei com uma linda peça de picanha maturada por um ótimo valor.  Não resisti: comprei. Tinha visto dias atrás na TV, uma receita suuuuuper fácil de picanha ao forno. Era a oportunidade perfeita: saciar a vontade dele e testar uma nova receita.
O Márvio entrou na minha vida em 2005. Com um jeito sério e fechado, temos várias diferenças: no modo de pensar, nos gostos, no conhecimento, mas a convivência mostrou um ponto em comum muito forte: culinária! Eu amo cozinhar e ele ama experimentar minhas receitas. Sem reservas. Basta eu dizer o que vou fazer e ele vai com fé. Sem medo de ser feliz! Se for uma receita nova então, ele incentiva até o projeto sair do pensamento. Aos poucos, fomos descobrindo lugares comuns no relacionamento, e outros nem tão comuns assim.
No começo ele tinha medo de experimentar as coisas desconhecidas. O diferente. Aos poucos, foi se abrindo, percebendo o quanto é importante pra mim descobrir novos sabores, novas culturas através da gastronomia, e então se entregou.
Voltando à picanha, fomos passar o dia na casa da minha mãe. Levei a picanha. Chegando lá peguei a peça inteira e preparei. Depois coloquei num tabuleiro com a capa de gordura pra cima, besuntei com sal fino – coloquei sal abundantemente, dos dois lados. Uma camada por cima da capa de gordura. Outra capa, de sal – e por cima do sal, farinha de trigo. Levei ao forno pré-aquecido em 200 e depois de 30 minutos retirei do forno e cortei.

A princípio eu não estava muito crente não. Uma lapa de carne assim, temperada apenas com sal fino! E toda aquela farinha de trigo... Sei não. Enfim, cortei a peça em fatias e a faca deslizava como se eu estivesse cortando manteiga. A carne ficou macia, suculenta. Ao colocar o primeiro pedaço na boca senti que todo o receio anterior desapareceu naquele sabor equilibrado. A carne toda tinha um tempero suave e a textura era leve.

Levei à mesa, acompanhada de uma salada simples de alface picada, tomate italiano em fatias, cebolas em fatias, castanhas de caju picadas, sal, pimenta do reino, limão e azeite. Arroz integral e feijão carioca temperado com bacon. Perguntei: e aí... o Márvio pegou um pedaço de carne pura, sem acompanhamentos. Cortou, colocou na boca, mastigou lentamente, me olhou e disse: fantástica! Aí, minha mãe que nem de carne vermelha gosta, se aventurou. Experimentou e aprovou.
Almoçamos com um vinho tinto francês, Pinot Noir. E de sobremesa bananas flambadas. Estava tudo uma delícia. Ao final, para meu deleite, o ele me olhou e disse: valeu a pena esperar. Vontade de comer carne finamente satisfeita!