Vira e mexe Maria Rita lembrava-se daquele episódio estranho e, silenciosamente, agradecia a Deus por poder enxergar. Pegou o diário e abriu no dia 12/10/01, começou a ler: Naquele dia eu acordei e meus olhos não viam nada. Buscava, procurava, abria e fechava os olhos e, no entanto, nada via. O desespero foi tomando conta de mim e, aos poucos, uma espécie de dor foi me consumindo e queimando meu interior. Uma dor profunda por não poder ver as cores, as luzes, imaginando que não poderia ver mais os olhos e seus olhares, as atitudes. E a coisa que mais gostava de fazer, a alquimia dos alimentos, a mistura dos ingredientes nas panelas, nas bacias, aquela confusão gostosa e organizada que acontece na cozinha, estaria comprometida. Eu estava cega? Não! O que teria acontecido? Decidi ligar para o médico para investigar o que poderia ter acontecido, estava tudo normal quando fora dormir na noite anterior.
Cuidadosamente levantei-me e, tateando, dirigi-me ao banheiro. Fiz a higiene matinal e lavei os olhos vigorosamente, como na esperança de poder tirar o que estava me impedindo a visão. Sem resultado. Andando vagarosamente pela casa, alcancei o telefone, mas não conseguia lembrar-me do número do consultório. Peguei o celular e liguei para o marido: - Renato, não estou enxergando nada. Sua reunião acabou? Preciso que você me leve ao médico. Você pode vir agora? - Falava uma frase após a outra, sem pausas para respirar ou para deixar o marido falar. Renato saiu do escritório feito uma bala, dizendo que já estava a caminho de casa e pedindo para que eu me acalmasse.
Era sexta-feira e tinha me programado para fazer um Tiramissu com aquela receita originalmente italiana que trouxera de uma deliciosa visita a Roma. Quando provara o doce – não tão doce assim – pela primeira vez, senti-me no paraíso: a combinação perfeita de sabores e a textura leve resultantes daquela mixagem culinária, pareceram-me um pedacinho do céu.
Lembrava-me da receita fornecida por Mamma Giullia, dona da cantina à esquina da rua onde ficava o hotel em que me hospedara. Nem era casada ainda:
- 2 gemas
- 1 clara em neve
- ¼ xícara de açúcar
- 250g de queijo mascarpone
- ½ pacote de biscoito champagne
- café forte e frio para umedecer os biscoitos
- 1 a 2 cálices de licor de amêndoas
Bata as gemas com o açúcar vigorosamente até formar um creme esbranquiçado. Acrescente o mascarpone e incorpore a clara. Se gostar do sabor do licor mais acentuado, misture metade do licor nesse creme. A outra metade misture ao café.
Para montar umedeça os biscoitos na mistura de café e licor e forre o fundo da forma. Cubra com metade do creme. Coloque outra camada de biscoitos e finalize com uma camada de creme. Leve à geladeira por aproximadamente 4 horas e, na hora de servir, polvilhe uma fina camada de cacau em pó peneirado.
- Si te voglie fare um dolce per molta genti, duplica la ricetta! - Dissera Mamma Giullia com todo o corpo e um largo sorriso que ainda podia visualizar.
Da primeira vez em que testei essa receita, foi num almoço na casa da minha amiga Adriana. Fizemos um ravioli como prato principal e Tiramissu de sobremesa. Por não gostarmos muito de café, usamos um café fraco para não acentuar o sabor. Também por isso, substituímos os biscoitos champagne por biscoito maisena de chocolate. Ainda lembrava-me da sensação celestial que tivera ao provar o doce. Fora levada de volta à Roma através do paladar. Já na primeira colherada fora capaz de ver em cores toda a cantina da mamma e aquele burburinho italiano do qual fizera parte por 7 prazerosos dias.
Quando Renato chegou em casa, encontrou-me dormindo no sofá repetindo: -”Tiramissu. Tiramissu. Preciso enxergar o Tiramissu”. Renato achou graça e com uma vigorosa gargalhada e um beijo na testa despertou-me de meus doces sonhos. Ao abrir os olhos e ver Renato parado e rindo a minha frente, não consegui entender nada. Será que havia mesmo acordado sem enxergar? Ou simplesmente estava delirando e tudo não passou de um sonho? Não sabia. O que sabia era que naquele momento faria o Tiramissu para sobremesa do jantar e se deliciaria não só com o sabor, mas principalmente com a bênção maravilhosa de poder enxergar. Agradeci a Deus pela sua saúde perfeita. Beijei meu marido carinhosamente e corriu até a cozinha para colocar as mãos na massa. Aquela noite tinha um sabor visivelmente diferente das outras.
Obs.: Fizemos esse tiramissu na casa da Dri (aquela minha amiga de infância) e foi um sucesso. Nas outras receitas que pesquisamos, as pessoas usam qualquer tipo de bebida alcoólica desde uísque até cachaça, usamos o licor de amêndoas porque queríamos a receita original, e faz diferença. Vimos várias receitas informando que o queijo mascarpone pode ser substituído por cream cheese e creme de leite fresco, pois o verdadeiro mascarpone custa muito caro. Mas já havíamos substituído os biscoitos e enfraquecido o café, optamos por usar o verdadeiro queijo e o licor de amêndoas para não nos distanciar muito da receita original.
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